Edição #2 — A pressa de chegar a lugar nenhum
Acho que a minha pressa nasceu em São Paulo. Aprendi cedo que quem anda devagar atrapalha a calçada, e que quem fica parado na esquerda da escada rolante atrasa a vida de todo mundo. Que o tempo é curto, que o metrô lota, que a vida é urgente. Mais tarde, fui morar em Toronto, e percebi que, mesmo do outro lado do continente, o ritmo era o mesmo. Duas cidades diferentes, o mesmo relógio apressado.
E eu virei esse relógio. Mesmo quando não há motivo, eu continuo acelerado. Chego num ponto turístico e já penso no próximo. Termino um texto e já quero escrever outro. Acabo de comer e já quero pedir a conta. Tenho dificuldade de esperar. Mas essa pressa toda é pra quê? É como se o corpo estivesse sempre em trânsito, e a cabeça, sempre com medo de perder o próximo trem.
Vivemos numa cultura que transformou o verbo acelerar em elogio. Quem tem pressa parece determinado, ambicioso, eficiente. Mas, no fundo, a maioria de nós só está tentando fugir da angústia de não ter controle sobre o tempo.
Eu sei disso. E mesmo assim não consigo parar. A sensação de estar parado me dá culpa, como se a vida fosse uma fila e eu tivesse deixado alguém me passar. E o mais curioso é que, mesmo quando eu chego, não sinto que cheguei. O prazer de concluir dura segundos. Logo vem o vazio e o impulso de ir de novo. Às vezes eu me pego tentando “ganhar tempo”, como se fosse possível guardar horas pra depois. E no fim, o tempo que eu ganho é o mesmo que eu perco, correndo pra chegar a lugar nenhum.
A pressa é o jeito que eu encontrei de não encarar o silêncio. Enquanto corro, não preciso pensar se estou feliz. Enquanto avanço, não preciso me perguntar se quero mesmo chegar. O movimento me protege, mas também me cansa.
A gente aprendeu a medir o valor das coisas pelo ritmo. Comer rápido, responder rápido, aprender rápido, amar rápido, superar rápido. Tudo precisa caber no cronograma, até o prazer. Mas tem coisas que só acontecem quando a gente demora: um afeto que amadurece, uma ideia que precisa de tédio, um descanso que realmente descansa.
O problema é que a vida real não respeita prazos. E, por mais que a gente corra, ela continua vindo no tempo dela, devagar, meio confusa, sem aviso.
Eu gosto da metáfora de que vivemos como se estivéssemos sempre entre voos. Sempre com pressa de embarcar no próximo. A próxima fase, o próximo projeto, o próximo corpo, o próximo “eu melhorado”. Mas ninguém nos ensinou o que fazer enquanto o voo atrasa.
A sensação de espera virou intolerável. O intervalo, que deveria ser um respiro, virou ansiedade. A gente olha o relógio, a barra de progresso, a notificação, o espelho, e pensa: já era pra eu estar em outro lugar.
O curioso é que ninguém sabe onde esse “outro lugar” fica. A pressa é um GPS com o destino apagado. A gente segue a rota, mas o mapa é um labirinto. Talvez por isso o cansaço moderno seja tão estranho: não é só físico, é o cansaço de quem está sempre no meio do caminho, e nunca chega.
E, claro, a internet não ajuda. A gente vive cercado por vidas editadas, timelines que avançam, gente que parece “adiantada”, e dá aquela sensação de que você ficou pra trás, mesmo sem saber de quê. É o novo tipo de inveja: a inveja cronológica.
Outro dia ouvi alguém dizer que “a vida é curta demais pra ser pequena”. Discordo. A vida é curta demais pra ser vivida com pressa. A pressa rouba o gosto das coisas, o intervalo entre um gole e outro, a pausa antes da resposta. É no tempo estendido que o significado aparece.
E eu queria muito aprender a viver nesse tempo, mas ainda não consigo. Ainda sou o cara que anda rápido demais, fala rápido demais, pensa rápido demais. E tudo que essa pressa me dá é a sensação constante de estar um pouco atrasado.
Talvez o desafio não seja “ter tempo”, mas habitar o tempo. Aprender a existir dentro dele, não contra ele. Respeitar o ritmo do corpo, das relações, das ideias. Eu não aprendi isso ainda. Mas acho que é por isso que escrevo: pra ver se, enquanto penso sobre o tempo, eu consigo parar por alguns minutos e realmente estar aqui.
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Se esse texto te fez diminuir o passo, nem que fosse só por alguns minutos, já valeu.
Se te deu vontade de respirar antes de correr de novo, melhor ainda.
E se você chegou até aqui, obrigado.
Num mundo que anda rápido demais, ler até o fim já é um tipo de coragem.
Até semana que vem,
Maurício


Na cultura de hoje tudo é pra ontem. É dificil estar presente quando tudo ta “gamificado” pra competiçao, likes, curtidas, seguidores, lugares visitados, livros lidos, filmes assistidos. Ir nessa contramão do mundo é ate um ato de rebeldia!
Filho , uma reflexão mais importante que a outra !!! Adorei quando vc fala que AINDA não sabe viver em outro ritmo ….. isso mostra que AINDA vai chegar lá 🙏🏻❤️