Edição #3 - A obrigação de ter opinião
e o medo de ficar de fora da conversa
Às vezes eu tenho a sensação de que o mundo inteiro virou um grande debate de mesa-bar, só que sem a cerveja. Todo dia tem um assunto novo que exige opinião urgente: política, cinema, inteligência artificial, alimentação, a nova série da Netflix.
E eu, que mal sei o que quero jantar, preciso decidir se sou a favor ou contra tudo — em tempo real.
Hoje em dia, ficar em silêncio parece suspeito. Se você não comenta, é omisso. Se você demora, é covarde. Se você muda de ideia, é incoerente. O mundo quer opinião — e quer rápido. E quando eu não tenho nada pra dizer, invento.
A internet transformou a dúvida em fraqueza. Todo mundo precisa saber, o tempo todo, o que pensa sobre tudo. E se não pensa, copia. A timeline virou uma competição de quem parece mais lúcido, mais informado, mais consciente. A única coisa que não pode é parecer perdido.
E no meio de tudo isso, tem o medo. O FOMO, o medo de perder algo — a conversa do momento, o meme, o debate, o ponto de vista certo. É o medo de ficar de fora, de parecer desatualizado, de não ter nada a acrescentar. Então a gente corre pra participar, mesmo que não saiba direito do quê.
O problema é que ter opinião virou um trabalho em tempo integral. Eu me pego pesquisando, lendo, comparando fontes — e quando finalmente entendo o assunto, o mundo já mudou de pauta. É como estudar pra uma prova que nunca acontece.
Tem dias em que eu só quero poder dizer “não sei” sem parecer preguiçoso. Ou “ainda não pensei sobre isso” sem soar alienado. Mas a gente vive num tempo em que o silêncio é interpretado como desinteresse, e a pausa como desistência.
A verdade é que eu nem sei se quero ter opinião sobre tudo. Às vezes só quero assistir em paz. Ver um filme sem precisar saber o que ele significa. Ler uma notícia sem precisar decidir de que lado estou. Tomar um café sem transformar o café em metáfora social.
Sinto falta de quando o pensamento era uma coisa íntima — não um produto. Hoje ele precisa ser publicável, postável, compartilhável. O que não é dito não existe, e o que não engaja não importa.
E eu também caio nessa. Me pego moldando frases pra parecer inteligente, ou postando só pra não ficar calado. É uma mania de quem tem medo de sumir do mapa se não disser nada.
O mais curioso é que, no fundo, todo mundo está cansado. Cansado de discutir, de defender, de explicar, de parecer sempre tão certo. Cansado de raciocinar em público.
Pensar em silêncio virou um luxo — e o erro, uma ameaça. O tempo de processar foi engolido pelo tempo de reagir. O espaço da dúvida virou intervalo comercial.
Talvez o que falte não sejam opiniões, mas silêncio. Aquele tempo entre uma pergunta e a resposta, quando o pensamento ainda está sendo formado. O intervalo que a pressa digital engoliu.
Eu queria reaprender a pensar devagar. A conversar sem performar. A ouvir sem preparar a réplica. Porque se tudo é opinião, nada é reflexão.
E o mundo já está cheio de gente que fala demais e escuta de menos.
🔗 Indicações da semana
📘 Leitura: O alívio (e a paz mental) de não ter de opinar sobre tudo
✉️ Fechamento
Se esse texto te deu vontade de pensar em silêncio por alguns minutos, já valeu.
Se te deu vontade de não ter opinião sobre nada hoje, melhor ainda.
E se você chegou até aqui, obrigado.
Num mundo em que todo mundo fala ao mesmo tempo, ler até o fim já é um gesto de gentileza.


Como é importante conseguir NÃO ESTAR EM TODAS …… !
a gente queima todo dia mil bibliotecas de alexandria só com conteúdo inútil que é gerado por conta da necessidade de todos terem opiniões