Edição #4 — Meu amor e ódio por São Paulo
A cidade que me ensinou a correr — e que ainda não me deixou parar.
São Paulo me ensinou que andar rápido é um instinto de sobrevivência.
Quem para no meio da calçada corre o risco de ser engolido — pelo trânsito, pela pressa, pela vida dos outros. A cidade me educou no barulho. No trânsito da 23 de Maio, no motoboy costurando entre carros, no relógio que nunca chega na hora, mas também nunca atrasa de verdade.
Aprendi a amar o caos e odiar o barulho. A sentir falta do concreto quando vejo verde demais. A achar estranho quando o céu é limpo por mais de três dias seguidos.
São Paulo virou o meu padrão de ruído. Quando tudo está quieto demais, é lá que minha cabeça volta — como quem procura trânsito pra se sentir vivo.
Por muito tempo, eu achei que São Paulo era o único lugar possível de viver.
Como se tudo que importasse acontecesse ali, naquele ritmo, naquele excesso.
A cidade me dava a sensação de estar sempre no centro das coisas — mesmo quando eu não fazia parte de nada. Era o tipo de lugar que te convence de que o mundo inteiro cabe dentro dela. E por um tempo, eu acreditei nisso.
Mas morar em Toronto me mostrou que o mundo também pode existir fora do barulho. Não que seja uma cidade calma — não é. Toronto também é cheia, viva, agitada. Mas ali existe espaço pra respirar. Há verde entre os prédios, arte nas esquinas, música tocando na rua sem pressa. É uma cidade que se move, mas que deixa o corpo acompanhar. Lá, ninguém mede o valor da vida pela correria — e, no começo, achei tudo parado demais. Depois percebi que talvez o que estivesse acelerado demais era eu.
São Paulo é intensa. A vida noturna pulsa, as ruas brilham, os bares lotam até tarde.
A cidade é viva — mas também exaustiva.
As conversas são boas, mas curtas.
Os encontros são cheios, mas raramente duram.
É uma cidade que te dá tudo, mas te tira o tempo de sentir o que recebeu.
A vida em São Paulo é maravilhosa — e, ao mesmo tempo, vazia e efêmera.
Tem dias em que eu ouço o Criolo e entendo perfeitamente: “não existe amor em SP”.
É como se o concreto tivesse engolido toda ternura possível.
Mas em outros dias, basta cruzar uma esquina pra sentir o que o Caetano chamou de “a dura poesia concreta de suas esquinas.”
Porque São Paulo, apesar de tudo, tem essa capacidade estranha de te machucar e te acolher ao mesmo tempo.
É uma cidade que nunca te deixa indiferente.
Eu tenho um amor e ódio por essa cidade que me formou.
Porque foi nela que aprendi tudo o que mais me ajudou e tudo o que mais me ferrou.
Foi ali que aprendi a trabalhar, mas também a não desligar.
Aprendi a correr atrás, mas nunca soube parar.
Aprendi a conquistar espaço, mas às vezes me sinto pequeno até hoje.
São Paulo é uma cidade que cobra presença.
Mesmo quando você está longe, ela te cutuca: “e aí, não vai fazer nada?”.
É uma cidade que te treina pra estar em alerta, e depois te pune por não conseguir relaxar. Ela te ensina a resolver tudo — menos a própria saudade.
Tem dias em que eu sinto falta do caos.
Do barulho do ônibus, do cheiro de pastel com diesel, da padaria com fila e pressa.
De andar rápido por ruas que eu já não lembro o nome, mas cujo ritmo ainda dita o meu passo.
E tem outros dias em que só de lembrar da Marginal às seis da tarde me dá dor de cabeça.
São Paulo é uma ex que ainda me manda mensagem de madrugada.
Às vezes eu abro. Às vezes ignoro.
Mas nunca apago a conversa.
Ela é a cidade que mais me deu — e a que mais me cobrou.
Me ensinou a sonhar grande, mas também a não ter tempo pra sonhar direito.
É a cidade que me fez querer ir embora, mas que sempre me dá vontade de voltar, como quem sente falta da própria loucura.
No fim, acho que meu amor por São Paulo é o mesmo tipo de amor que a gente tem por algumas pessoas: as que nos ensinaram a ser fortes, mas às custas da leveza.
A cidade que me ensinou a correr — e que ainda não me deixou parar.
🔗 Indicações da semana
🌐 Comunidade — r/saopaulo (Reddit)
Um canto curioso da internet onde paulistanos e ex-paulistanos vivem a mesma contradição: amar e odiar a cidade todos os dias.
Lá, entre reclamações de trânsito, fotos de céu alaranjado e discussões sobre pão na chapa, você percebe que São Paulo é feita disso mesmo — de gente cansada, mas ainda apaixonada.
✉️ Fechamento
Se esse texto te fez lembrar de uma esquina, um cheiro ou um barulho, já valeu.
Se te deu vontade de voltar — ou de não voltar nunca mais — melhor ainda.
E se você chegou até aqui, obrigado.
Nos tempos de hoje, parar pra ler já é um ato de resistência — paulistana ou não.



Existe uma versão da Síndrome de Estocolmo que descreve locais físicos? hahahaha
Porque é a melhor definição que consigo pensar.
O céu e o inferno no mesmo lugar.
Filho …. Que descrição fiel dessa cidade entre amor e ódio ! 🫤